Comprei essa boneca em uma das minhas viagens à Índia.
No princípio tudo me parecia mais um surto coletivo comandado por grandes marcas que “viralizou” rapidamente. O nosso tempo tem vivido de modismos, que às vezes saturam até grandes ideias e a cor rosa que pintou centenas de milhares de feeds, a inteligência artificial que alterou o retrato de milhares de meninas e mulheres, me parecia mais uma “trend” mais uma vez visando o consumo. Quando alguém aparecia de rosa a gente já sabia do que se tratava. Palmas para o branding! Não podemos negar.
Pensei muito antes de escrever este artigo.
Será que alguém ainda está interessada(o) em ler sobre o filme da Barbie?
Não fui uma criança que gostava da boneca, talvez porque inconscientemente eu sabia que ela nunca me representou de nenhuma forma, e a única vez que comprei uma Barbie foi já bem adulta, numa de minhas viagens à Índia e por razões especiais. Sempre achei rosa a cor mais desnecessária do círculo cromático. De uns anos para cá eu mudei de opinião. Repudiava muito a ideia de haver coisas de menina e coisas de menino. E a Barbie era o estereótipo da menina que vestia rosa! Barbie sempre foi sinônimo de consumismo, de um padrão de beleza descontextualizado.
Mas eu comecei a ver gente cuja a opinião me interessa, pessoas que me ajudam a formular ideias sobre o mundo e a sociedade falando super bem do filme.
Ora… eu provavelmente tenho aspectos menos interessantes na minha personalidade, mas teimosia não é um deles.
E mais!
Eu gosto de aprender, abrir minha cabeça para novos pontos de vista e a maturidade me deu mais facilidade e leveza para mudar de opinião.
Hoje quando me manifesto, em muitas ocasiões vou logo dizendo: “bem… mas isso é o que eu penso hoje! Daqui há 2 anos, não sei.”
E assim resolvi que tinha que ver o filme.
Gente… não há como dizer que a Barbie não se reposicionou. Este filme é um grande reposicionamento de marca. E tudo bem se reposicionar. A gente muda. A natureza da vida tem que continuar sendo essa.
E… que filme, viu?
Que filme legal!
Eu ri pra caramba, tive vontade de chorar, elegi mentalmente personagens preferidos… me diverti!
O roteiro é genial.
E aviso que haverá spoiler aqui neste parágrafo, caso você não tenha visto o filme e ele um dia vá parar em alguma plataforma de streaming para que você o possa ver.
Mas está tudo lá no roteiro: nós (quem criticava e quem adorava a boneca), homens objetificados que têm uma relação entre si bem parecida com alguns contextos femininos mas que terminam com a mensagem “descubram-se!”, a Mattel (fabricante da Barbie), uma fotografia linda, cenários incríveis, referências pontualmente muito bem colocadas à cultura de massa moderna e contemporânea e inclusive à Simone de Beauvoir que dizia que “Não nascemos mulheres, tornamo-nos mulheres”. Minha leitura me fez lembrar da Simone de Beauvoir porque no final, a Barbie que não encontra mais lugar como boneca, termina o filme numa consulta de ginecologia.
O filme dá muitas voltas na nossa cabeça, pois começa falando sobre a ideia de que no começo só havia bonecas bebês. Logo, qual era o único papel que cabia às meninas que brincavam com suas bonecas-bebês? Respondeu certo quem pensou: serem MÃES! E de repente aparece uma boneca adulta e que ainda por cima tinha muitas profissões. O tempo objetificou a Barbie e agora ela está voltando para o lugar que talvez sempre tenha sido dela.
Pausa para eu respirar…
O filme fala também sobre como a gente (meninas principalmente) perde a capacidade de acreditar na gente à medida que cresce. O mundo da Barbie é o mundo das meninas. Onde existem meninas que ganham o prêmio Nobel, que escrevem livros ou que são astronautas. A gente só se acha capaz disso na infância, no mundo das nossas brincadeiras. Na adolescência já começamos a deixar de acreditar que somos incríveis. Uma mulher adulta tem muita vergonha de se assumir incrível, linda ou poderosa. Uma criança não tem problemas com isso.
O que acontece na vida para a gente deixar de acreditar na gente?
O filme é um grande manifesto feminista da cultura pop.
É a primeira vez que eu vejo um objeto da cultura de massa virar entretenimento que fala sobre igualdade entre os gêneros.
É um atestado definitivo de como esse sistema de hipercapitalismo que a gente vive consegue produzir histórias com verdadeiro valor emocional sobre seus próprios produtos.
Em termos de marketing, ele é perfeito. É um manifesto feminista cheio de marcas poderosas. Barbie, Mattel, Birkenstock, Ford… fora o elenco.
Todo mundo está falando e escrevendo sobre o filme. Inclusive eu.
Barbie não só deu a volta por cima como deu uma volta na nossa cabeça! Tornou-se relevante se reposicionando, manteve aquilo que foi a grande marca dela, a cor rosa, incorporou no seu discurso temas como a libertação das mulheres e o feminismo, tomou pra si a competência de definir o papel da mulher na sociedade, deu um tapa na cara dos homens, colocou na mesa o assunto da questão de gênero e eu… estou aqui falando dela.
A minha geração brigou muito contra a “tirania da cor rosa” metaforicamente falando e tudo que nela está calcificado.
Mas sabe… às vezes cansa.
Como diz Michel Alcoforado — antropólogo brasileiro, “O filme faz a gente acreditar que a Barbie sempre foi legal, que o inferno eram os outros, ela está perdoada.”
Assistir ou não assistir são atitudes políticas.
E ainda bem que é você quem decide o que quer fazer.